Maison Bordeaux, Koolhaas |
A funcionalidade na arquitetura vai muito além da forma, da estética e do conceito. Criamos um projeto para alguém, que irá utilizar o bem, e não como portifólio escultural da empresa. Pois bem, no documentário Koolhaas Houselive temos a visão de uma senhora que utiliza a casa - que por sinal é bem arquitetônica e cheia de conceitos - mas que pouco foi pensada em quem utilizaria.
Escadas mal iluminadas, janelas altas demais, ausência de controle por chave, excesso de tecnologia, estantes posicionadas nas escadas, painéis de vidro, e locais de passagens estreitos são o resultado final do projeto de um grande arquiteto para uma casa adaptada, e que é considerada uma grande arquitetura, mas resulta em dificuldades de limpeza, goteiras, vazamentos, e uma casa pouco funcional e altamente propensa a acidentes para uma senhora, o que já é claramente perceptÃvel apenas no campo visual, uma vez que não tenho conhecimentos de francês e não consegui entender todas as falas da mesma em inglês.
Na obra de Koolhas, é possÃvel observar tantos absurdos que refletimos se foi pensado no consumidor final quando projetou uma escada em rotatória de difÃcil locomoção, vidros enormes que compõem a paisagem da casa e o uso de sua iluminação, mas que para serem limpos é necessário a contratação de uma empresa especializada. Isso sem citar as goteiras, e alguns pontos em que praticamente "chove" dentro da edificação.
Rampa do auditório do Ibirapuera em São Paulo, obra de Niemeyer |
Mas esse não é um cenário exclusivo da casa de Koolhaas. Apesar da acessibilidade desenvolvida através da tecnologia na casa, por vezes ela é deixada de lado em projetos de outros arquitetos. É muito comum encontrarmos cenários esculturais pouco pensados para o consumidor final. Um ótimo exemplo são algumas obras de Niemeyer, como o auditório do Ibirapuera, que possui uma rampa que orna com a escultura proposta, porém não é inclusiva a portadores de necessidades especiais, uma vez que a rampa possui inclinação maior do que a necessária. Visto ser um auditório - portanto propenso a receber públicos diferentes para eventos diferentes - temos aqui um ótimo exemplo dessa arquitetura conceitual e por vezes não funcional.
A ideia de monumentalidade vem muito antes das obras assinadas por grandes arquitetos - começa na graduação - quando somos convidados a transformar algo em incrÃvel a todo e qualquer custo, sem analisar aspectos simples como a real funcionalidade: um deficiente passa aqui? É possÃvel subir ou descer determinada escada com peso ou algum objeto? Essa escada é realmente segura? Ou é escultural? Acredito que esse tipo de conceito se perde durante a faculdade, uma vez que somos induzidos a produção de projetos monumentais.
Casa da Vila Matilde, Terra e Tuma Arquitetos |
Outro exemplo, estudado em sala de aula, é a Casa da Vila Matilde de Terra e Tuma arquitetos, destinados a Dona Dalva, uma senhora com poucas posses e que procurava solucionar os problemas de estrutura e salubridade da casa anterior. A casa, vencedora de diversos prêmios e altamente disseminada nas redes de arquitetura nos faz pensar se ela foi realmente pensada no consumidor final, visto que, por se tratar de uma senhora, um ótimo exemplo para reflexão seria a ausência de reboco na edificação e o pequeno espaço destinado à horta, atividades e desejos que pessoas mais idosas costumam possuir e querer. Por se tratar de uma senhora de idade, cria-se a mesma reflexão em relação à limpeza, uma vez que a casa possui grandes painéis de vidro e poderia dificultar o trabalho da mesma. Ou seja, uma casa altamente conceitual, porém será que foi realmente pensada para a Dona Dalva?
Por fim, a reflexão desenvolvida no documentário é exatamente o questionamento do real uso e ocupação de determinada edificação, externando as dificuldades cotidianas pouco apresentadas e que devem ser questionadas de uma arquitetura repleta de conceitos, porém desfuncional aos olhos de uma senhora que trabalha na casa.